quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A origem e o ritual do Brinde


O brinde teria se originado na Antigüidade durante os acordos de paz entre impérios belingerantes. O mediador do acordo deveria se levantar, proclamar sua conclusão e
tomar o primeiro gole da bebida (normalmente vinho, a mais mística das bebidas) para mostrar que ela não estava envenenada e demonstrar, assim, a boa vontade entre as partes.

O caráter sobrenatural que nosso fermentado teve desde os primórdios, quando lhe eram atribuídos poderes transcendentes, levava muitos homens a dedicarem goles desta poção mágica à saúde dos amigos ou ao êxito dos combates. Celtas e gauleses, por exemplo, punham a circular um vaso cheio de vinho, de mão em mão, bebendo-se à pessoa que se queria honrar. Cada conviva dizia, olhando-a: "a ti bebo".

O ato do brinde com toque de copos nasceu, segundo Alfredo Saramago, em seu livro O Vinho do Porto na Cozinha, em uma época na qual se utilizavam recipientes de metal ou vidro fosco que não transpareciam a quantidade de vinho servida. "Para que não houvesse enganos, durante as saúdes os copos deviam tocar-se para os dois oficiantes da saúde saberem que o copo que tocavam estava tão cheio como o seu. Tratava-se de uma oferenda e ao mesmo tempo de um gesto de delicadeza, para que ninguém ficasse mal servido". Também se elevava, como ainda hoje, o copo à altura do coração, ou da fronte, para imprimir mais intensidade ao bonito gesto do brinde.

Existe uma outra versão, esta mais poética, para o ato de tilintar as taças ao se brindar. Dionísio, o deus grego do vinho e da fertilidade, teria iniciado a prática de fazer o som percutindo as taças umas nas outras para tornar completa a experiência sensorial da degustação do vinho. Esta, até então, só evocava quatro dos cinco sentidos: visão, olfato, tato (na boca) e paladar. A audição estava ausente.

O primeiro registro da palavra "brinde" na língua portuguesa data de 1651, no livro História Universal dos Impérios, Monarchias, Reyno & Províncias do Mundo, do padre Manoel dos Anjos. Sua origem etimológica seria alemã, vindo da expressão: "ich bring dir's", algo como "bebo por ti". Algumas fontes atribuem, ainda, a origem dessa palavra à cidade de Brindisi, bem no sul da Itália.

Apesar de sua origem ancestral, o ato de brindar só se popularizou no século XVI, quando começou a virar moda na Inglaterra. Em inglês, a tradução de brinde é "toast" (torrada), e deriva do costume de colocar pão torrado num cálice para lhe dar sabor de vinho. Quando se bebia à saúde de alguém, era preciso esgotar o cálice para chegar na torrada embebida.

Segue uma ritualística: pode-se chamar a atenção dos convidados batendo com um talher na taça ou copo, diz-se o brinde, que pode ser apenas o clássico: "saúde". Só depois se bebe. No entanto, todos devem beber, de preferência bebidas alcoólicas. Bate-se levemente com o copo no copo de cada um dos bebedores, olhando-os, olhos nos olhos, mesmo que à distância.

Brindando em diversos idiomas

Brindes já fazem parte até da mais tradicional etiqueta, como retrata O Livro de Etiqueta de Amy Vanderbilt, no qual a autora americana chega a oferecer ao leitor uma prática lista de brindes em diversos idiomas, que cito e comento:

Os franceses dizem "santé" ou "salut", o que já deixa a boca no formato ideal para receber pequenas quantidades de bebida. Os espanhós erguem suas taças dizendo "salud", enquanto os italianos gesticulam ao som de "salute". O universal "tin-tin", ou "chin-chin", não é apenas uma onomatopéia para os chineses. Lá, "chin" significa "felicidade", e "chinchin", "muita felicidade". Não confunda: em japonês o brinde é outro, diz-se "kampai", que quer dizer "copo vazio".

Alemães dizem "prosit" se a ocasião for informal, e "zum wohl" se for a sério. Para os holandeses, um "proost" fará o serviço. Os russos dizem, sem enrolar a língua, "na zdorov", ou "felicidade", semelhantes aos poloneses e búlgaros que gastam menos letras para dizer "na zdrve". Entre os árabes que bebem se diz baixinho "fi sihitaek". Em ídiche, toda a família diz junta "l´chayim!", "à vida". Na língua de Platão, pode-se dizer "steniyasas" (à saúde), enquanto na de Ghandi brinda-se "aapki sehat".

O mais curioso, contudo, vem dos nórdicos da Suécia, Dinamarca e Noruega. Ao levantar suas taças, dizem "skäl", que significa, singelamente, "caveira". A origem vem do costume viking de beber cerveja nos crânios de seus inimigos, esvaziados e limpos como se fossem canecas.

Enaltecer a bebida ou as circunstâncias de seu consumo faz parte de um ritual de comunhão que todo bebedor conhece. Aguça o paladar dos presentes, torna as qualidades do líquido ainda mais extraordinárias e transforma cada ocasião em um evento único e especial.

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