quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Refluxo desde a infância

Drauzio – Refluxo não aparece apenas nos adultos. Crianças pequenas também têm refluxo.
Marcelo Averbach – Nas crianças pequenas, os tecidos não estão totalmente formados e existe certa fragilidade principalmente na transição entre o estômago e o esôfago. Além disso, e o mais importante, é que a criancinha mama e deita, quer dizer, deixa de ter a seu favor a gravidade.
Felizmente, esse tipo de refluxo acaba sendo resolvido espontaneamente em virtude do desenvolvimento dos tecidos e da mudança da alimentação. No início, o bebê toma só leite; depois são introduzidas papinhas e alimentos sólidos que refluem com menor facilidade.
Por fim, há a alteração do decúbito. A criancinha que passava o dia inteiro deitada, fica sentada e em pé, dá os primeiros passos, o que favorece a boa evolução do quadro de refluxo.
 
Drauzio – Toda mãe sabe que depois de amamentar deve pôr a criança em pé e bater em suas costinhas para eliminar o ar que ficou preso no estômago. O que mais deve ser recomendado?
Marcelo Averbach – A rigor, nada. No entanto, se a criança tem refluxo que provoca problemas respiratórios ou pneumonias de repetição, a conduta precisa ser mais agressiva e exige orientação médica especializada. Alguns poucos casos, inclusive, requerem tratamento cirúrgico.
 
DIAGNÓSTICO
 
Drauzio – Há quadros de refluxo bastante sugestivos. Há outros um pouco mais complicados. Quais são os métodos usados para confirmar o diagnóstico?
Marcelo Averbach – O melhor método é a medida do pH do trato digestivo para medir o grau de acidez do estômago e do esôfago. Essa medida é tomada durante 24 horas por um exame chamado pHmetria.
Habitualmente, não se começa por ele. Começa-se pela endoscopia digestiva alta até porque algumas doenças se manifestam do mesmo modo que o refluxo e a endoscopia alta permite observar se o esôfago está inflamado (esofagite) ou se há uma hérnia de hiato.
 
Drauzio – Em linhas gerais, como é medido o pH?
Marcelo Averbach – Uma sonda muito fina com vários pequenos sensores é introduzida no nariz do paciente, locada em seu esôfago e faz anotações eletrônicas do que acontece naquele meio. Paralelamente, a pessoa vai registrando tudo o que sentiu ou fez no decorrer do exame. Se teve dor ou azia, sinaliza. Se fez uma refeição ou deitou-se, sinaliza. A composição dos dados obtidos permite verificar a presença de refluxo em determinados momentos.
Todavia é preciso ressaltar que a pHmetria feita em qualquer um de nós vai revelar a ocorrência de refluxo fisiológico sem complicações clínicas maiores.
 
Drauzio – É muito desagradável esse exame?
Marcelo Averbach – Não é muito desagradável. Os pacientes toleram bem a sonda que é fininha, embora alguns demonstrem certa aversão por fazê-lo.
A pHmetria é um exame ambulatorial, que deixa a pessoa meio fora do circuito, porque fica com a sonda durante 24 horas. Nesse tempo, ela deve agir como está habituada para estimular situações do dia a dia que possam desencadear as crises de refluxo.
 
TRATAMENTO
 
Drauzio – Feito o diagnóstico, qual o tratamento indicado para o refluxo?
Marcelo Avebach – O tratamento para refluxo pode ser clínico, endoscópico e cirúrgico. O tratamento clínico inclui a administração de drogas que diminuem a produção de ácido pelo estômago e melhoram a motilidade do esôfago. Concomitantemente, o paciente é orientado a perder peso, a evitar alimentos e bebidas que pioram o refluxo, a não se deitar logo após as refeições e a fracionar a dieta. Ele é estimulado também a praticar exercícios físicos.
Tais recomendações o paciente com refluxo deve seguir durante a vida toda e a grande maioria responde bem e se beneficia com esse tipo de tratamento.
 
Drauzio – A orientação dietética é complementar ao tratamento medicamentoso?
Marcelo Averbach – É complementar. Na verdade, o indivíduo obeso que consegue emagrecer pode deixar de ter refluxo e levar vida normal.
 
Drauzio - Qual é o objetivo do tratamento cirúrgico?
Marcelo Averbach – A proposta do tratamento cirúrgico é confeccionar uma válvula. Quando se fala em válvula, logo se pensa num dispositivo colocado dentro do corpo para impedir o refluxo. Não é isso. Trata-se de uma dobra feita ao redor do esôfago para que o estômago, quando cheio, comprima a parte terminal do esôfago e impeça o refluxo. Nos casos de hérnia, sutura-se o hiato esofágico para que desapareça o espaço por onde passa o refluxo, e isso põe fim no problema.
A cirurgia pode ser feita de maneira convencional, ou seja, abrindo a barriga, ou por via laparoscópica. Neste caso, através de dois furinhos, introduz-se uma microcâmara para orientar o procedimento.
 
Drauzio – Na verdade, o objetivo da cirurgia é estrangular a passagem do esôfago para o estômago a fim de impedir que o líquido estomacal reflua…
Marcelo Averbach – Não sei se a palavra é estrangular. O que se pretende é deixar a passagem o mais normal possível, evitando que o estômago permaneça fora de posição e, ao mesmo tempo, construir uma válvula para que o refluxo não ocorra.
 
Drauzio – Quais os casos em que a cirurgia é a melhor indicação?
Marcelo Averbach – São candidatos à cirurgia pacientes com refluxo que não querem ser tratados clinicamente. Às vezes, estão respondendo bem ao tratamento clínico, mas não estão dispostos a continuar respeitando as limitações que ele impõe. Querem deitar-se logo depois do jantar, comer os alimentos de que gostam, embora agravem os episódios de refluxo, e não querem tomar remédios diariamente. São candidatos também os pacientes que não respondem bem a ao tratamento clínico, apesar de seguirem todas as recomendações médicas.
Não se pode esquecer, porém, de que o ácido subindo para o esôfago pode provocar esofagite de vários graus de intensidade. Quando muito grave, as células do revestimento do esôfago podem ser substituídas por outras com alteração na forma e no comportamento, dando origem a um tumor maligno. Apesar de poderem ser tratados clinicamente, esses pacientes são sérios candidatos à cirurgia para evitar que o ácido continue traumatizando o revestimento do esôfago.
Gostaria de enfatizar que de forma alguma indicamos cirurgia para todos os pacientes com refluxo gastroesofágico, mesmo porque sabemos que 7% da população (um número bastante expressivo) têm refluxo e sentem azia, queimação e o gosto do suco gástrico na boca. Na maior parte das vezes, porém, eles se automedicam, pois sabem que aquela pastilhinha branca alivia os sintomas.
 
Drauzio – Você poderia descrever as cirurgias endoscópicas?
Marcelo Averbach – Os procedimentos por endoscopia são indicados para os pacientes com refluxo que não tenham hérnia de hiato muito grande.
Através da própria endoscopia, é feita uma pequena sutura que dificulta a migração do suco gástrico para o esôfago. Esse método terapêutico permite também a colocação de alguns implantes especiais na transição entre o estômago e o esôfago. Como são procedimentos novos, não é grande o seguimento dos pacientes submetidos a esse tipo de tratamento, que parece ser boa opção para casos selecionados.
 
Drauzio – E a cirurgia laparoscópica?
Marcelo Averbach – O resultado da laparoscopia é exatamente o mesmo da cirurgia convencional: fecha-se a abertura por onde o esôfago passa para o abdômen e confecciona-se uma válvula, porém a agressão cirúrgica é muito menor. O paciente é internado num dia para o procedimento laparoscópico e, no máximo dois dias mais tarde, recebe alta e pode alimentar-se normalmente.
A laparoscopia é uma técnica cirúrgica minimamente invasiva e tem-se mostrado efetiva no controle do refluxo gastroesofágico.

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