segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"Agradecimento aos leitores deste Blog"


                                                El Chico

... E foi assim, a caminho do trabalho, atravessando a rua, que o destino impôs-se sobre o seu caminho: recordava El Chico que o carro amarelo surgiu do nada, jogando-se sobre a faixa de pedestres no instante em que ele atravessava. Logo depois, veio-lhe uma dor imensa em sua perna esquerda; Mas ergueu-se rapidamente, com a grande ajuda de um estranho mui gentil.
O estranho tinha cabelos dourados anelados, em forma de algodão, e parecia com um anjo. Deu a mão ao boliviano e depois o apertou firmemente contra seu próprio corpo. Na multidão, que se formara em torno de El Chico, podiam-se ouvir as vozes das pessoas: “Ele morreu? Ele está sangrando? O que houve?”.
O rapaz de cabelos anelados acariciou El Chico na cabeça e, mirando-lhe fundo nos olhos perguntou-lhe qual o seu nome; ao que lhe respondeu o rapaz, “Me chamam de El Chico por apelido, mas meu nome é Carlos Dominguez. Sou Boliviano.” e redarguiu-lhe ainda, “Você, muito obrigado, mas é que eu acho que quebrei a perna. Por gentileza, como se chama?”.
O estranho respondeu-lhe: “Sou um anjo e o que me importa é que esteja bem; não tem o que agradecer nem pensar em nomes agora. Você precisa de cuidados médicos para esta sua perna.”. El Chico completou: “Insisto que me diga o seu nome.”. Respondeu-lhe novamente o estranho, “Chama-me Miguel.”.
Neste instante, estacionava no local uma ambulância. Dois paramédicos ampararam El Chico com uma maca e deitaram-no no interior do veículo. Seus pensamentos pareciam dançar na cabeça enquanto a ambulância punha-se em movimento. Lembrou-se de perguntar para um enfermeiro sobre o estranho de cabelos anelados, o anjo, mas o enfermeiro nada sabia.
Pensava no que leriam sua mulher e os vizinhos no dia seguinte, caso o anjo que conhecera fosse um jornalista: “Carlos Dominguez, também conhecido como El Chico, foi acidentado na Avenida Princesa Isabel esta terça-feira às nove horas e trinta minutos, enquanto atravessava a rua. Quebrou a perna e sofreu escoriações por todo o corpo. Passa bem”.  
Depois disso, caiu em sono profundo. Os anestésicos e o tratamento que lhe deram na ambulância forçaram-no a dormir profundamente. Tudo se tornou escuridão. Já no sono, ouviu uma voz: “Carlos, descansa Carlos, não será desta vez.”. Eis que El Chico tentou redarguir, “Você é Miguel? É mesmo um anjo?” Ao que lhe disse o anjo “Preocupa-te contigo.”
Toda sua vida parecia desfilar em sua frente, dentro do sono profundo, como uma quadrilha de festa junina. Primeiro a infância pobre na Bolívia, seus primeiros anos na escola que ficava a uma hora de distância do pequeno vilarejo onde morava, e depois a veio a juventude de quando conheceu e casou-se com a brasileira Rosa.
El Chico e Rosa tiveram três filhos: duas meninas e um menino, todos brasileiros. Aqui no Brasil, pôde levar adiante a profissão de professor de Espanhol. Com sua esposa, psicopedagoga – ele a conhecera em um congresso para estudantes universitários em La Paz – casou-se no mesmo ano em que se conheceram. Logo depois, decidiram morar aqui no Brasil.
                                                                                                                                
“Carlos, Carlos, veja esta luz!!...” Falara-lhe a voz. Tudo era escuro, mas, ao longe, como no final de um túnel, havia uma minúscula claridade. El Chico empreendeu uma caminhada lenta em direção à luz e a voz prosseguiu falando: “Carlos, Carlos, não tenha medo que lhe dou minha mão.” Imediatamente, sentiu uma mão apertando fortemente a sua mão direita.
Divagou El Chico: “Eu estou morrendo, anjo? Por isso está aqui?” Respondeu o anjo, “O Miguel está aqui para lembrar você do valor que existe na sua vida. Você vem perdendo para o costume, para a mesmice do dia-a-dia, a importância que a vida tem. Um dia, estará acabada, quando a luz que então lhe esperará será outra, será muito maior que esta que vê agora.”.
E prosseguiu, “Agora... para um pouco e dá-me um abraço, Carlos?” Dito isso, envolvendo El Chico em seus braços (este, pouco ou nada via, porque tudo estava muito escuro), abraçou-o fortemente e completou com palavras, “Nós agora vamos juntos em direção àquela pequena luz que vemos ao longe. É uma pequena caminhada. Continuemos agora, Carlos.”.
El Chico lembrou-se da filha mais velha, de onze anos. Quando a família caminhava ao longo da praia, rente ao mar, ela chutava de pirraça a areia da praia; o que lhe custava algumas palmadas certeiras da mãe e uma bronca do pai. Mas El Chico detestava fazer isso com sua filha: para compensar cada bronca que lhe dava, apertava-lhe sempre a mão em sinal de afeto.
Rosa esperaria por ele no final deste túnel escuro? Soubera ela do atropelamento e esperaria por ele quando acordasse? Seus dados pessoais, assim como endereço e número de telefone, estavam dentro da agenda que guardava a tiracolo dentro de uma bolsa de couro. Alguém que o tenha acudido na rua provavelmente tê-la-ia contatado e tudo estaria bem no hospital.
E o jornalista ainda escreveria sobre tudo para que, no outro dia, pudesse toda a família reunida – em torno de uma cama de hospital – ler junta e se abraçar junta. Diriam todos, “poderia ter sido muito pior”, “você poderia ter morrido”; Seus pensamentos corriam soltos e imagens dançavam na sua cabeça de um lado para o outro. A realidade era a ambulância, enquanto um túnel escuro acolhia sua alma.
Caminhando pelo túnel, El Chico sentiu que a mão atenta de Miguel (o anjo) apertava sua mão direita. A pequena luz no fim do túnel tornava-se cada vez maior, e estava seguro de que caminhava para o final da escuridão, e que caminhava para a luz onde, certamente, estariam à espera sua família  e os médicos do hospital. Na realidade, havia a ambulância e o hospital. No sonho, havia a presença da família.
A escuridão do túnel era também uma metáfora do sono – a escuridão nos abismos da mente – pois forçado por medicamentos El Chico estava em um sono profundo advindo de uma inconsciência induzida por medicamentos.  A claridade aumentava, a escuridão tornara-se agora penumbra, e então era possível ver Miguel ao seu lado, segurando sua mão. Disse-lhe Miguel: “Carlos, dá-me um beijo.”
El Chico arregalou os olhos de surpresa, mas não titubeou: envolveu os braços em torno do pescoço do anjo e tascou-lhe um beijo lânguido na boca. A claridade lhe incomodava os olhos e alguém disse “O paciente está acordando”. Na sala de cirurgia, um médico informou que uma fratura exposta foi o motivo da cirurgia e anestesia. Correra tudo bem, e esperavam por ele Rosa e as crianças no quarto.
                                                                         
(Alexandre Ivanovski)


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