quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Raízes biológicas da obesidade

Por que razão é tão difícil manter o peso ideal, se todos almejam ficar esguios e sabem que a obesidade aumenta o risco de hipertensão, diabetes, osteoartrite, ataques cardíacos e derrames cerebrais?
No cérebro, existe um centro neural responsável pelo controle da fome e da saciedade. Milhões de anos de seleção natural forjaram a fisiologia desse centro, para assegurar a ingestão de um número de calorias compatível com as necessidades energéticas do organismo. Nessa área cerebral, são integradas as informações transmitidas pelos neurônios que conduzem sinais recolhidos no meio externo, nas vísceras, na circulação e no ambiente bioquímico que serve de substrato para os fenômenos psicológicos.
Estímulos auditivos, visuais e olfatórios são permanentemente censoreados pelo centro da saciedade e explicam a fome que subitamente sentimos diante do cheiro ou da visão de certos alimentos. Faz frio, os neurônios responsáveis pela condução dos estímulos térmicos enviam informações para o centro, e a fome aumenta. Esse mecanismo evoluiu em resposta às maiores necessidades energéticas dos animais para manter  constante a temperatura corpórea no inverno.
Quando as paredes do estômago são distendidas, a taxa de glicose na circulação aumenta e certos neurotransmissores são liberados no aparelho digestivo ou, quando determinadas enzimas digestivas atingem os limites de sua produção, o centro da saciedade bloqueia a fome e interrompe a refeição.
Fenômenos psicológicos também interferem permanentemente com o mecanismo de fome e saciedade, porque os centros cerebrais são especialmente sensíveis aos neurotransmissores envolvidos nas sensações de prazer, raiva, amor ou medo. Por isso, comemos mais quando estamos entre amigos, e menos em ambientes hostis ou sob estresse psicológico.
Imaginemos nossos ancestrais que viveram há 20 mil anos, por exemplo, apenas um segundo atrás no relógio da evolução. Como se alimentavam eles naqueles tempos de alimentação escassa? Faziam regime de bifinho com salada para manter a elegância?
A história de nossa espécie é marcada pela fome crônica e epidêmica. Nossos ancestrais procuravam desesperadamente alimentos  altamente calóricos para sobreviver aos tempos de vacas magras.
Comiam frutas ricas em carboidratos e a carne dos animais que conseguiam abater ou das carcaças que disputavam com as hienas e os urubus.
A possibilidade de armazenar provisões surgiu com a agricultura, há meros dez mil anos. Durante milhões de anos, alternamos  refeições fartas com longos períodos de jejum forçado.
O cérebro humano foi forjado pela penúria, como lembra o neurologista Daniele Riva. Caso o centro da saciedade tivesse sido programado  para desligar a fome no instante exato em que ingeríssemos a última caloria necessária para o funcionamento do organismo naquele dia, seríamos todos esbeltos. A penúria obrigou-nos a ser complacente, no entanto. Nas raras oportunidades em que encontrávamos comida farta, tínhamos que ingeri-la na maior quantidade possível, e estocar as calorias em excesso sob a forma de gordura para servir de reserva.
Os portadores de centros de saciedade de atuação restrita apenas às necessidades imediatas do organismo não atingiram a maturidade sexual, porque não sobreviveram ao jejum que se seguia, e não deixaram filhos. Somos descendentes de indivíduos nos quais o centro da fome só era desligado depois da ingestão de centenas de calorias em excesso. Por isso, tantas vezes levantamos da mesa com a sensação de que deveríamos tê-lo feito dez minutos antes.
A natureza é sábia, todos dizem, mas não foi capaz de prever que chegaríamos ao estado de fartura atual, acessível a milhões de seres humanos. Animais com cérebros forjados em tempos de penúria não podem ter geladeira cheia, churrascaria rodízio e disque-pizza à disposição.

(Dr. Drauzio Varela)

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